terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Capítulo I: O velho lobo-do-mar no Almirante Benbow

Quando Squire Trelawney, Dr. Livesey, e o restante dos meus velhos amigos me pediram para escrever sobre nossas aventuras na Ilha do Tesouro, do começo ao fim, sem deixar nada de fora e, ainda pela existência do tesouro, eu peguei minha pena no ano da graça de 17_ e viajei no tempo, quando meu pai ainda tinha a estalagem Almirante Benbow, e um velho marujo, de pele escura e castigada pelo sol nos pediu alojamento.

Lembro-me dele como se fosse ontem, quando ele veio se arrastando até a porta, empurrando um carrinho de mão com um baú. Um homem forte, cor de noz, com uma trança caída sobre seu ombro, vestindo um sujo e surrado casaco azul, mãos ásperas com diversas cicatrizes, unhas quebradas e um corte de sabre na bochecha. Eu me lembro dele olhando em volta da cobertura, assobiando para si mesmo e depois cantarolando uma velha música do mar, que tantas vezes ouvi mais tarde:

"Quinze homens sobre o baú do morto -
Yo-ho-ho, e uma garrafa de rum!"

Do alto, a voz velha e vacilante do marujo parecia ter sido afinada para quebrar um cabrestante1. Então ele bateu na porta com um pedaço de pau, parecido com um molinete2. Meu pai abriu a porta e o marujo pediu um copo de rum. Ele bebeu bem devagar, como um conhecedor, apreciando lentamente o sabor da bebida.

-Essa é uma bela enseada - disse o marujo - e você tem uma ótima estalagem. Muita companhia, parceiro?

Meu pai disse que era uma pena, mas poucas pessoas frequentavam o lugar.

-Bom, então é o lugar para mim. Aqui, você companheiro - ele gritou para um homem que derrubou seu carrinho de mão - me ajude a levar meu baú lá para cima, que eu vou ficar aqui por um tempo. - e continuou - Sou um homem simples parceiro; rum, bacon e ovos é o que quero, e um lugar para observar os navios lá em cima. Me chame de capitão. Oh, olhe aquilo... lá; - e atirou três ou quatro peças de ouro no limiar - Você pode me dizer quando eu trabalhei por isso - disse ele, com um olhar que tinha a ferocidade de um comandante.

De fato, tão ruim quanto suas roupas era sua forma grosseira de falar. Tinha a aparência de um capitão acostumado a dar ordens e ser obedecido, ou partir para o ataque. O homem que veio com o carrinho de mão disse-nos que o correio tinha atrasado pela manhã, antes de Royal George, e que o marujo perguntou se haviam pousadas ao longo da costa. Ao ouvir falar bem da nossa, além de ser pouco movimentada, suponho, a escolheu para passar algum tempo. E isso foi tudo que pudemos saber de nosso hóspede...

Ele era um homem de poucas palavras. Todos os dias ele percorria a enseada ou ia até as falésias com uma luneta de bronze; Toda noite ele sentava em um canto da sala, perto do fogo e bebia uma mistura de rum com água muito forte3. Ele não falava a maior parte do tempo, somente olhava para cima súbita e ferozmente e expirava pelo nariz como uma buzina de nevoeiro; e todas as pessoas que vinham à nossa estalagem logo aprenderam a não incomodá-lo. Sempre que voltava de seus passeios diários, ele perguntava se algum marujo havia passado pela estrada. No início, pensei que ele sentia falta de outros homens que compartilhavam seu ofício, mas logo percebi que desejava evitá-los. Quando um marujo ia ao Almirante Benbow, ele sempre ficava observando atrás das cortinas antes de entrar na sala; sempre tomava o cuidado de ser silencioso como um rato quando algum marujo estava presente. Para mim, esse assunto já não era nenhum segredo, pois eu estava, de certa forma, participando do seu temor. Ele me prometeu uma moeda de prata no primeiro dia de cada mês, apenas para informá-lo quando eu visse um marujo de uma perna só. Sempre que chegava o primeiro dia do mês e eu cobrava o meu prometido salário, ele bufava por seu nariz e ia embora. Mas antes de terminar a semana, ela trazia minha moeda de prata e repetia as ordens de avisá-lo quando visse "um marujo de uma perna só".

Aquele personagem assombrava meus sonhos de mil formas. Em noites de tempestade, quando os ventos sacudiam os quatro cantos da minha casa e as ondas rugiam ao longo da enseada, se lançando contra os penhascos, eu via o perneta de mil formas e com mil expressões diabólicas. Ora com a perna cortada na altura do joelho, ora no quadril; ora ele era uma criatura monstruosa que tinha uma única perna no meio do corpo. Podia vê-lo saltar e me perseguir ao longo da costa, o pior dos meus pesadelos. Paguei muito caro pela minha moeda de prata, na forma dessas abomináveis fantasias.

Embora eu estivesse tão apavorado com a ideia de uma marujo de uma só perna, eu tinha mais medo do capitão do que qualquer outra pessoa. Em algumas noites, ele bebia mais rum do que sua cabeça aguentava e, em seguida, sentava e cantava perversamente suas velhas e selvagens canções do mar, sem se importar com ninguém; outras vezes nos forçava a ouvir suas canções e terríveis histórias. Muitas vezes o velho capitão fazia a estalagem tremer cantando "Yo-ho-ho, e uma garrafa de rum". Nas mesas, ele era a companhia mais imperiosa que já vi; batia o punho na mesa para pedir silêncio, discutia com paixão e raiva sobre as questões levantadas sobre suas histórias, ou às vezes, quando ninguém fazia perguntas, ele julgava que não estavam prestando a devida atenção. O velho marujo não permitia que ninguém deixasse a estalagem até que ficasse bêbado o suficiente para ir sonolento e cambaleante até sua cama.

Suas histórias assustavam as piores pessoas. Histórias terríveis sobre enforcamentos, andar na prancha, tempestades no mar, sobre Dry Tortugas4, e os lugares e atos selvagens que ocorrem na América sob domínio espanhol. Pelo que nos contava, devia ter vivido com os homens mais cruéis que já existiram, e o palavreado que ele usava para contar suas histórias chocaria as pessoas mais simples do nosso país, tanto quanto os crimes que descrevia. Meu pai sempre dizia que ele arruinaria a estalagem, que as pessoas logo deixariam de frequentá-la, mas eu realmente acredito que a sua presença fez-nos bem. As pessoas ficavam assustadas, mas olhando para trás, eu gostei bastante; foi uma emoção muito bem-vinda naquela pacata vida do campo e ainda houve um grupo de jovens que fingiu admirá-lo, chamando-o de "verdadeiro lobo-do-mar" e dizendo que "esse tipo de homem que fez a Inglaterra ser temida nos mares".

De certa forma ele prometia arruinar-nos, pois ficou semana após semana, e mês após mês em nossa estalagem. Há muito seu dinheiro havia acabado e quando meu pai cobrava, o velho marujo soprava ferozmente pelo nariz, expulsando meu pobre pai da sala. Eu o via torcendo as mãos após tal recusa, e estou certo que o incomodo e o terror que ele viveu deve ter apressado sua morte prematura e infeliz.

Durante todo o tempo em que o capitão viveu conosco, não trocou as suas roupas, apenas comprou algumas meias de um vendedor ambulante. Seu chapéu começou a perder a costura. Quando seu casaco começou a rasgar, ele ia consertá-lo em seu quarto, que depois de um certo tempo, transformou-se em um trapo cheio de remendos. O capitão nunca recebeu ou escreveu uma carta, não falava com os outros hóspedes, a não ser quando estava completamente bêbado. Nós nunca vimos aberto o baú que ele trouxe.

Apenas uma vez o velho capitão foi desafiado, o que finalmente deu a coragem que faltava a meu pobre pai para expulsá-lo. O dr. Livesey havia se atrasado para visitar um paciente e acabou jantando com minha mãe. Após o jantar, ele entrou na sala para fumar um cachimbo até que trouxessem o seu cavalo da aldeia, pois ele não morava na velha Benbow. Segui-o para sala e observei o grande contraste entre o médico, de forte personalidade, brilhantes olhos negros e maneiras agradáveis e o nosso velho pirata, sujo, vestido como um espantalho, que estava sentado em um canto da sala, com os braços sobre a mesa. De repente, o capitão começou a cantarolar sua música eterna:

"Quinze homens sobre o baú do morto
Yo-ho-ho, e uma garrafa de rum!
A bebida e o diabo cuidaram do resto
Yo-ho-ho, e uma garrafa de rum!"

No começo, eu pensava que o "baú do morto" era idêntico ao grande baú que o velho capitão tinha em seu quarto, que logo se misturou aos meu pesadelos junto com o marujo de uma perna só. A esta altura, todos já estávamos acostumados a ficar em silêncio durante as canções do velho capitão, mas o doutor Livesey continuou sua conversa com Taylor, nosso jardineiro, sobre uma nova cura para reumatismo. O capitão começou a se animar com sua música e, finalmente bateu o punho na mesa, de uma forma que todos sabíamos que significava silêncio. Todos se calaram, menos o dr. Livesey, que continuava sua conversa animadamente enquanto fumava seu cachimbo. O capitão olhou ferozmente para ele, agitou a mão e finalmente irrompeu:

-Silêncio!

-Está se dirigindo a mim, cavalheiro? - disse o doutor - Só tenho um coisa a lhe dizer: se continuar a beber rum desse jeito, logo estará dormindo com os cães!

Nesse instante, o sangue do velho capitão ferveu. Ele ergueu-se, abriu sua navalha e avançou ameaçadoramente para o dr. Livesey.

O doutor não se moveu, e falou como antes, com a voz perfeitamente calma e firme:

-Fique sabendo cavalheiro, que além de médico, também sou o juiz da região e se você não colocar sua faca no bolso neste instante, eu juro, pela minha honra, que o senhor será condenado à forca na próxima sessão do meu tribunal!

Seguiu-se uma batalha de olhares entre eles, mas logo o capitão guardou sua faca e retomou seu assento, resmungando como um cão espancado.

-A partir de agora cavalheiro - continuou o doutor - ficarei de olho em você dia e noite e se eu souber de outra atitude grosseira como esta, farei de tudo para que você nunca mais ponha os pés nessa cidade, apenas me dê um motivo...

Logo em seguida, trouxeram à porta o cavalo do dr. Livesey, que foi embora. Depois daquela noite, o capitão ficava calado, bebendo seu rum no canto da sala.